quarta-feira, 20 de abril de 2011

O último beijo (?)



O beco onde ele estava era muito mais escuro do que se podia imaginar. O poste mais próximo estava com a luz piscando, mas acabou por apagar. As mãos percorriam os respectivos bolsos da calça, à procura inquieta de algo que ainda não vinha. Estava de costas para a rua. Sentiu o coração acelerado como se aquela noite fosse decidir o resto da sua vida. Ouviu passos que, gradativamente, iam ficando mais perceptíveis. Virou-se. De frente para ele, uma mulher de casaco longo, de couro preto, cujos longos cabelos soltos protegiam o pescoço do sereno da madrugada. Fitou-lhe os olhos e, antes que pudesse falar algo, ela se pronunciou.
- Não achei que você viesse.
- Julguei necessário. Não podia te negar isto. Não dessa vez.
- Você sabe o que vai acontecer? - a luz do poste aparentemente quebrado acendeu como se conspirasse com aquele momento. O batom vermelho de Natasha contrastava com a cor de mel dos seus olhos. Sacou do bolso do casaco uma arma. Caio deleteitava-se com aquela imagem como se não se importasse com as consequências dos seus próximos atos.
- Quer mesmo? - sorriu enquanto abria os braços.
- Se você ao menos se arrependesse do que fez.
- Não posso; não consigo apagar o passado! -exaltou-se de forma que ela decidiu sacar por completo a arma e apontá-la para ele.
- Eles não mereciam, Caio. Eu tinha uma família! Por que fez isso? - gritou de raiva enquanto seus olhos enchiam-se de lágrimas.
- Era mais forte que eu, que meus princípios. Eu nem ao menos sabia o que iria acontecer depois de tudo aquilo.
- Então creio que não há mais jeito para você - tornou-se, instantaneamente, fria como gelo.
- Mate-me - abriu novamente os braços
Natasha mirou no peito. Tentou, esforçou-se, mas não teve coragem.
- Não consigo te odiar! - chorou desesperadamente, jogando a arma no chão.- Por que não me disse antes? Eu nunca teria me envolvido com você, nunca teria te amado!
- Eu não podia, droga! Era a vida de meu filho que estava em jogo. O que você faria?
Natasha recompôs-se. Mesmo não conseguindo, queria se comportar da forma mais fria possível. Caminhou até ele e, quando chegou perto, aproximou a boca do seu ouvido.
- Só que seu filho também está morto.
- Me culpo por isso todos os dias da minha vida.
Ambos lembraram-se do que viveram. Foi um choque instantâneo que permeou-lhes a mente. Caio segurou-lhe a mão enquanto olhava fixamente em seus olhos.
- Eu ainda te amo.
Ela abaixou a cabeça e pronunciou palavras que ele não conseguiu ouvir. Como não obteve resposta, decidiu falar mais alto, agora com a cabeça erguida.
- Também te amo. - disse chorando
O beijo selou um acordo de perdão e amor. Eram, a partir daquele momento, um do outro. As almas entrelaçaram-se ao mesmo ritmo das línguas inquietas e puderam sentir um o coração do outro bater desesperadamente. Nem a mágoa era maior que o amor deles. Ambos haviam sido usados pelo governo e, se suas vidas haviam chegado até ali, havia sido por causa dele. Ao final do beijo, ambos trocaram olhares indecisos.
- O que você me propõe? - perguntou ele
- Vingança - foi incisiva
- Contra os presidentes dos Estados Unidos e da França? - seu tom de voz era sarcástico e a sentença veio acompanhada de um risinho
- Oui, mon amour. - deixou que o idioma da terra natal tomasse conta de si.
- Será desafiador - sorriu.
E assim, à meia luz daquele poste defeituoso, sob o sereno da madrugada de Paris, ambos saíram caminhando pela rua deserta de Saint-Jacques. As mãos dadas, como já havia sido dito, selaram um acordo eterno. Mas a história de vingança e amor de Caio e Natasha estava longe de acabar. A arma, deixada naquele beco, era o marco que faltava para mudar-lhes as vidas.