sábado, 16 de outubro de 2010

Um homem, uma praia e um segredo



Os pés cravavam na areia. Como se quisesse deixar sua marca na natureza, andava sem se preocupar com mais nada. Foi assim por longos 2030 metros. Olhou para o céu, para a mata virgem praiana, para a água. Era um braço de mar; um paraíso. Por longos quilômetros de delimitação entre o sólido e o líquido, não se via ninguém.

Como que em nirvana, fechou os olhos e continuou a andar. Sorriu; riu; sentiu o vento no rosto. Fazia parte de tudo aquilo. De repente, parou. Queria aproveitar toda aquela situação e foi o que fez. Sentou-se na areia e como um objeto de terapia, pegou um punhado dela, levantou a mão, depois a abriu e deixou-a cair. Repetidamente se acalmava com tal tarefa enquanto olhava o mar em calmo movimento.

O celular tocou. Apesar de saber de quem se tratava, ele sequer fez menção de atender a ligação. Pelo contrário: desligou o telefone móvel e deitou-se onde estava.

- Tempo, tempo, tempo. Para que se preocupar com ele? – bocejou – Uma eternidade nos aguarda. Vou esperar o quanto for preciso.

- Concordo com você, sábio amigo. – uma voz se fez presente, mas a praia ainda estava mergulhada em solidão.

- Ah! Você está aí, não é?

- Mas é claro! Nunca saio de perto de você. Por acaso você conseguiria ter sucesso em algo que não feito em parceria comigo?

- Sua prepotência me alimenta – riu e percebeu que era a hora de ir. – Então, vamos?

- Qual o nosso próximo passo?

- Vamos aonde a brisa nos guiar. Daqui até lá, pensaremos no que vou fazer.

Em um breve movimento, já estava de pé e novamente caminhando. Não havia ninguém a seu lado. Uma lacuna vazia, contudo, completamente preenchida. Ainda sentia o vento no rosto. Pouco mais de dois quilômetros antes daquele ponto, um corpo degolado manchava, de sangue e pecado, o branco da areia daquele paraíso.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A papai, com carinho



A cidade era enorme; os prédios pareciam um mar de concreto. Entre eles, porém, havia um que certamente se destacava quando visto entre os outros. Um prédio inteiro dedicado a um escritório de Direito, investigação e associados. Criação do jovem sonhador Felipe Montreal. Os anos se passaram, e sua realização profissional nunca antes havia sido posta em xeque. O casamento era estável e nada sequer abalou tudo o que ele havia construído.

O telefone tocara. Em tom formal, a secretária o informara que um jovem estava à sua espera. Ele pediu identificação.

- Ele diz ser Michel Toledo, namorado de sua filha.

- Sim, sim! Deixe-o entrar.

Imaginou, talvez, o que ele queria ali naquele horário, visto que haveria um jantar em sua casa a algumas horas e Michel seria um dos convidados. A porta se abriu e o rapaz foi encaminhado à sala.

- Que surpresa, Michel. Nem sequer marcou horário. – riu contidamente – Temos um jantar à noite. Tem algo importante a me falar? Algo que não poderia deixar para mais tarde?

Estava com um envelope em mãos. Um envelope grande cujo selo de lacre dava indícios de que havia sido aberto antes. Ele o segurou com uma força inacreditável. Parecia guardião de um tesouro pelo qual milhares de reis haviam matado e morrido.

- Sabe, – sentou na cadeira em frente à dele – Não há muito o que conversar. Eu namoro sua filha há exatos dois meses. Nossa relação sempre foi muito boa e eu não tenho o que reclamar dela. Meu problema é com você.

Felipe arrepiou-se ao ouvir o ríspido tom com que a palavra “você” foi lançada ao ar. Estranhou também a maneira com que o jovem falava. Frases secas puramente carregadas de sarcasmo, nunca antes haviam saído da boca dele.

- Eu não planejei namorar a Bia. Aconteceu. Mas bem que dizem que o destino sempre prepara surpresas para a gente. Foi o que nos aconteceu. A mim, a ela e a você. – colocou o envelope na mesa, mas com as mãos em cima dele, impediu o também altivo homem que tocá-lo.

- De que se trata isso?

- Tudo a seu tempo, Felipe. – e tratou de retomar o que falara – Aí, quando dei por mim, me tornei seu genro querido. Ainda espero casar com ela. Se você deixar, é claro.

O importante advogado não se pronunciou uma vez sequer, enquanto o outro, desafiador, começava a fazer pedidos em tom de exigência:

- Quero me tornar vice-presidente dessa empresa. – foi direto – Não, você não entendeu mal. Quero ser o vice-presidente daqui. Trabalhar lado a lado com meu querido pai.

O homem gelou. Ouvira o trecho mortal que o mergulhava em um sonho dantesco de onde não poderia sair. Engoliu seco. As pupilas dilatadas e o coração acelerado indicavam que a zona medular das suas supra-renais, figurativamente, estava para explodir de tanta adrenalina que já corria em suas veias.

- O que foi que você disse? Que diabos você está falando, garoto?!

Michel o entregou o exame, já aberto, que indicava a paternidade do advogado sobre ele.

- Quando comecei a namorar a Bia, minha mãe procurou saber quem era ela e seus pais. Coisas de mulher. Aí ela acabou descobrindo que o todo poderoso advogado e dono deste enorme edifício era, na verdade, o meu pai. Por ódio a você, ela me sugeriu que continuasse o namoro e desse um jeito de te mostrar este exame. Não foi muito difícil conseguir uma amostra do seu DNA.

- Cala essa boca! – em um ataque de fúria, jogou todos os objetos da mesa no chão.

- Mas, olha. Vou te contar uma coisa. – puxou o pai pelo colarinho do terno e aproximou a boca da sua orelha, falando em sussurro – Ainda não transei com ela. Mas fique tranqüilo que quando acontecer eu te digo. Você é meu pai, vai gostar de saber – riu compulsivamente da face irada do seu progenitor.

- Seu desgraçado. – recolheu os punhos, preparando-se para socar a face do jovem. - Ela é sua irmã!

- Epa! Não tente nada contra mim. Muito me admira você, conhecedor da justiça, tentar bater no próprio filho. Lesão corporal, danos físicos e outras coisas mais. Ia manchar seu nome, papai. E, além do mais, não me importo de ela ser minha irmã. Sabe que até seria bom? - subiu o teor da provocações.

Tentando se controlar, Felipe sentou na poltrona, pronto para ouvir as exigências do filho.

- Eu prometo deixar sua família em paz. Mas, para isso, vai ter que me obedecer. Afinal, já pensou nas matérias da imprensa falando sobre o filho bastardo e uma relação extraconjugal do grande Felipe Montreal? Não iria ser muito bom para você. O que eu quero é muito simples: como eu completei 18 anos semana passada, já posso assumir plenos cargos. Quero ser o vice-presidente daqui sem nenhuma complicação ou questionamento. De certa forma esse cargo, mais cedo ou mais tarde, acabaria sendo meu. Quero também que me inclua na sua herança, sem dizer nada a ninguém. Se me acusar de chantagem, eu posso recuperar o processo de minha mãe contra você por tentativa de assassinato. Lembra quando você tentou matá-la por saber que estava grávida? Pois é. Eu espero que você esteja disposto a colaborar comigo porque, depois do jantar, eu tenho um programa legal com sua filha. Acho que vai terminar na cama. – riu novamente.

- Faço tudo o que você quiser, mas não encoste mais na minha filha, seu repulsivo!

- Prometo que não. Quero que me inclua na sua próxima reunião e me assuma como seu braço direito. Terminarei o namoro com a Bia em uma semana – pensou por um breve momento - Se me for conveniente, é claro.

Levantou-se da cadeira e olhou fixamente para o acuado homem.

- Acaba aqui o sofrimento de minha família para se iniciar o martírio da sua. O mundo dá voltas, pai.

Ajeitou o terno que estava vestindo e voltou-se, altivamente, em direção à saída. Sem mais olhar para ele, abriu a porta e foi saindo.

- Nos vemos no jantar, Sr. Montreal. Espero que não me desaponte mais depois de tanto tempo.

A porta foi fechada por ele. Voltou a sentir raiva de toda aquela situação e, impulsivamente, derrubou a mesa, a cadeira, ao passo que proferia palavras de todo o tipo contra o filho. Ao se dar conta do que estava vivendo, sentou-se encostado na parede e começou a chorar.

- Desgraçado! – as lágrimas percorriam todo o seu rosto. Suspirou de tristeza como nunca antes – Meu filho... Tão mau caráter quanto eu. Eu mereci.

Não parava de repetir a última frase. Aos olhos de qualquer pessoa, parecia, agora, um louco. Sozinho, em seu escritório, em meio a tudo o que havia feito, se deu conta de que era um nada, um lixo vivo. O vazio agora o consumia a alma e uma nuvem de fantasmas pôs-se a pairar sobre sua cabeça. Estava acabado. Um toque do destino, coincidência ou como queiram chamar havia dado o ponto final. Era o fim de uma vida “perfeita”.