segunda-feira, 18 de julho de 2011

Lembranças




Acordou, como de costume, às cinco. Todavia, ficou deitado na cama, refletindo, pensando nos acontecimentos da noite anterior. A imagem dela lhe veio à mente. Linda, extremamente linda. Os olhos claros refletiam o brilho, ora de uma esmeralda, ora de um âmbar. A pele, delicada, tinha a textura de mil nuvens compactadas. Ela não saía da cabeça dele, nem que tentasse insistentemente. E se alguém o visse, deitado naquela cama, com os olhos abertos e a chama da consciência acesa, ainda assim diria que estava dormindo; dormindo em sonho profundo e sonhando o mais belo sonho da Terra.
Com o celular em mãos, lia as mensagens enviadas e recebidas na véspera. Refletia as entrelinhas da mensagem que ela lhe enviara, tentando entender o que havia por trás de um comportamento óbvio e, aparentemente, negativo. Não, ela não era tão óbvia. "As mulheres nunca são", pensou enquanto ria por dentro. Lembrou-se do que tinha que fazer e levantou num pulo. Com o celular ainda em mãos, verificou o horário e percebeu que estava atrasado. Mas a casa estava mudada. Chamou os pais, contudo ninguém o atendeu. Atordoado, perdido, sentou no sofá para entender o que se passava. "O que é que tá acontecendo?" , inqueriu-se.
De repente, a campainha toca. Assustado, levantou do sofá e olhou em volta. Alguém, obstinadamente, continuava a apertá-la e o som irritante e contínuo o fez xingar. "Que porra!". Atendeu a porta e teve um susto.
- Você... - o silêncio tomou conta de si e, depois de algum tempo, prosseguiu. - Como sabe onde moro?
- Isso não importa agora.
Seu sorriso havia transformado todas aquelas sensações estranhas que havia tido antes em bem-estar. Nada o aflingia naquele momento. Nem o ambiente estranho, nem a ausência dos pais. Aproximou-se dela, enquanto suas mãos entrelaçavam sua cintura. Os olhares se encontraram e o calor, em comunhão, havia transformado os dois seres em um só.
- Eu te amo. - disse vagarosamente.
- Por que você sempre é tão meloso assim? - riu de forma contida. - Não me diga coisas que eu já sei. - Ele sorriu para ela e a retribuição havia sido o que sempre esperara. A tinha nos braços, depois de tudo o que acontecera. Era quase inacreditável o que estava vivendo.
De repente, um vento frio o toma. Não era o vento comum de uma manhã de inverno. Uma força maior havia separado ambos e o calor já não mais existia. Em agonia, chamava seu nome, mas não obtinha resposta. Abriu os olhos. Estava na cama, assustado, pensando como antes. Havia se dado conta do que acabara de acontecer. "Foi só um sonho", pensou. Mas quem disse que sonhos não se realizam um dia?, foi o que eu lhe respondi.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O último beijo (?)



O beco onde ele estava era muito mais escuro do que se podia imaginar. O poste mais próximo estava com a luz piscando, mas acabou por apagar. As mãos percorriam os respectivos bolsos da calça, à procura inquieta de algo que ainda não vinha. Estava de costas para a rua. Sentiu o coração acelerado como se aquela noite fosse decidir o resto da sua vida. Ouviu passos que, gradativamente, iam ficando mais perceptíveis. Virou-se. De frente para ele, uma mulher de casaco longo, de couro preto, cujos longos cabelos soltos protegiam o pescoço do sereno da madrugada. Fitou-lhe os olhos e, antes que pudesse falar algo, ela se pronunciou.
- Não achei que você viesse.
- Julguei necessário. Não podia te negar isto. Não dessa vez.
- Você sabe o que vai acontecer? - a luz do poste aparentemente quebrado acendeu como se conspirasse com aquele momento. O batom vermelho de Natasha contrastava com a cor de mel dos seus olhos. Sacou do bolso do casaco uma arma. Caio deleteitava-se com aquela imagem como se não se importasse com as consequências dos seus próximos atos.
- Quer mesmo? - sorriu enquanto abria os braços.
- Se você ao menos se arrependesse do que fez.
- Não posso; não consigo apagar o passado! -exaltou-se de forma que ela decidiu sacar por completo a arma e apontá-la para ele.
- Eles não mereciam, Caio. Eu tinha uma família! Por que fez isso? - gritou de raiva enquanto seus olhos enchiam-se de lágrimas.
- Era mais forte que eu, que meus princípios. Eu nem ao menos sabia o que iria acontecer depois de tudo aquilo.
- Então creio que não há mais jeito para você - tornou-se, instantaneamente, fria como gelo.
- Mate-me - abriu novamente os braços
Natasha mirou no peito. Tentou, esforçou-se, mas não teve coragem.
- Não consigo te odiar! - chorou desesperadamente, jogando a arma no chão.- Por que não me disse antes? Eu nunca teria me envolvido com você, nunca teria te amado!
- Eu não podia, droga! Era a vida de meu filho que estava em jogo. O que você faria?
Natasha recompôs-se. Mesmo não conseguindo, queria se comportar da forma mais fria possível. Caminhou até ele e, quando chegou perto, aproximou a boca do seu ouvido.
- Só que seu filho também está morto.
- Me culpo por isso todos os dias da minha vida.
Ambos lembraram-se do que viveram. Foi um choque instantâneo que permeou-lhes a mente. Caio segurou-lhe a mão enquanto olhava fixamente em seus olhos.
- Eu ainda te amo.
Ela abaixou a cabeça e pronunciou palavras que ele não conseguiu ouvir. Como não obteve resposta, decidiu falar mais alto, agora com a cabeça erguida.
- Também te amo. - disse chorando
O beijo selou um acordo de perdão e amor. Eram, a partir daquele momento, um do outro. As almas entrelaçaram-se ao mesmo ritmo das línguas inquietas e puderam sentir um o coração do outro bater desesperadamente. Nem a mágoa era maior que o amor deles. Ambos haviam sido usados pelo governo e, se suas vidas haviam chegado até ali, havia sido por causa dele. Ao final do beijo, ambos trocaram olhares indecisos.
- O que você me propõe? - perguntou ele
- Vingança - foi incisiva
- Contra os presidentes dos Estados Unidos e da França? - seu tom de voz era sarcástico e a sentença veio acompanhada de um risinho
- Oui, mon amour. - deixou que o idioma da terra natal tomasse conta de si.
- Será desafiador - sorriu.
E assim, à meia luz daquele poste defeituoso, sob o sereno da madrugada de Paris, ambos saíram caminhando pela rua deserta de Saint-Jacques. As mãos dadas, como já havia sido dito, selaram um acordo eterno. Mas a história de vingança e amor de Caio e Natasha estava longe de acabar. A arma, deixada naquele beco, era o marco que faltava para mudar-lhes as vidas.